LAPA (ÁLVARO) – RETROSPECTIVA
LAPA (ÁLVARO) – RETROSPECTIVA
Fundação Calouste Gulbenkian. 1994. In-4º (29×22,50). Br.
Da autoria de Carolina Gouveia Matias, passamos a transcrever com a devida vénia:
«Álvaro Lapa. Retrospetiva» foi, como o nome indica, uma exposição que compreendeu a obra pictórica do pintor e escritor autodidata, realizada entre 1968 e 1993 e organizada pela Fundação de Serralves e pelo Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP) da Fundação Calouste Gulbenkian. Foi primeiramente apresentada na Fundação de Serralves, de 19 de maio a 17 de julho de 1994, e depois no CAMJAP, de 8 de setembro a 30 de outubro desse mesmo ano.
A seleção dos 104 trabalhos foi feita por Álvaro Lapa, assim como a sua organização curatorial em cinco núcleos, sob uma temática de aproximação narrativa e estética, ou formal. Se Álvaro Lapa criou uma apresentação pessoal e íntima do modo como entende a sua própria obra, esta é, já de si, autobiográfica e denunciadora de um universo introspetivo, que comunica através da criação de um vocabulário próprio, de temas, símbolos e composições visuais. O corpus artístico de Lapa, caracterizado por uma harmonia estética na qual se misturam diversas influências artísticas, literárias e filosóficas, combina a «delicadeza emotiva do diário íntimo» com a «áspera crueza expressiva dos materiais pobres, de suportes frágeis, decrépitos até, cartões prensados, tintas espessas a que se mistura o viscoso das colas» (Álvaro Lapa. Retrospectiva, 1994, p. 8).
É, assim, um trabalho que reflete uma interiorização de diferentes referenciais intelectuais, como a arte bruta de Jean Dubuffet e o abstracionismo surrealista de Robert Motherwell; a escrita de Antonin Artaud e de Arthur Rimbaud; o pensamento filosófico e psicanalista de Friedrich Nietzsche, Ludwig Wittgenstein e Wilhelm Reich; sem esquecer a importância que a descoberta do budismo zen teve para o pintor.
Parafraseando Maria Helena de Freitas, responsável pela exposição em Lisboa, não se pretendeu com esta retrospetiva traçar um percurso de progresso cronológico na obra de Álvaro Lapa, algo que se revelaria de difícil concretização pela grande coerência plástica que caracteriza a sua obra e que se desenvolve em sucessivas séries narrativas. Dentro de cada série, é produzido um fio narrativo que lhe confere uma lógica própria através da «existência de uma forma/solução que se repete e que, apesar de metamorfoseada, se reconhece na sua organicidade, tornando-se agente de uma acção» (Ibid., p. 16).
Ao mesmo tempo, a contaminação entre séries pictóricas, que se podem ler como conjuntos de retratos, paisagens e combinações dos dois géneros, é conseguida através da passagem de elementos que, apesar de desfigurados e por vezes diluídos, estabelecem pontes formais entre as diferentes narrativas, como acontece em Moradas na Mãe-Terra e Escuro, ou em Mesas, e nas pinturas Schliemann, Passeio, Maré e História Trágico-Marítima.
O cruzamento entre pintura e escrita é outro aspeto importante da obra do artista, autor de uma produção literária que inclui teoria da arte, poesia e ficção. A inscrição presente na pintura reflete este contágio, que dilui as fronteiras entre as duas formas de expressão, e é conseguida ainda através da homenagem a vários autores literários, como na série dos Cadernos de 18 escritores (Burroughs, Henry Miller, Franz Kafka, Céline, etc.).
O catálogo da exposição, editado pela Fundação de Serralves, apresenta textos de Fernando Pernes, Rui Mário Gonçalves e Maria Helena de Freitas, assim como a reprodução das obras expostas, uma biografia do artista, bibliografia, uma lista de prémios atribuídos e outra de coleções em que Álvaro Lapa se encontra representado.
A exposição foi divulgada na edição de outubro-dezembro da Colóquio/Artes, revista trimestral de artes plásticas, música e bailado, e no Ver Artes, programa de artes plásticas, arquitetura e decoração emitido pelo canal televisivo RTP2 e apresentado pelo crítico de arte Alexandre Melo.
Segundo Cristina Azevedo Tavares, esta retrospetiva de Álvaro Lapa, autor de uma obra de difícil acesso, pela combinação de diferentes referentes intelectuais externos com materiais pobres, rompendo com o tradicional e desenvolvendo «uma ética muito pessoal, e uma anti-estética, quase uma anti-arte que durante muito tempo foi incompatível com os valores artísticos mais generalizadamente veiculados […], veio precisamente repor a autenticidade e qualidade deste pintor, exterior a modas, e experimentador de várias narrativas» (Tavares, Colóquio/Artes, out.-dez. 1994, p. 56).
Em muito boa condição.
20,00 €
Vendido