CASTRO (FERNANDO DE) – NOIVADO POBRE
CASTRO (FERNANDO DE) – NOIVADO POBRE
(100 Sonetos).
Porto. Magalhães & Moniz, Limitada. 1921. In-4º de 112 págs. Br.
Trata-se, parece, do segundo e último livro de Fernando de Castro (1889-1946), o excêntrico coleccionador portuense que habitou a agora casa-museu com o seu nome, na rua de Costa Cabral.
Por muito informativo, passamos com a devida vénia a transcrever do jornal Público o artigo assinado por Sérgio C. Andrade:
A Casa-Museu Fernando de Castro é um lugar imprevisível e pouco conhecido no roteiro museológico portuense. Guarda uma colecção difícil de classificar, que foi de um comerciante, artista e poeta
Quem, passando na Rua de Costa Cabral, no Porto, olha para a casa de três pisos com a porta n.º 716, não pode imaginar o que ela encerra. Nem mesmo depois de ver a placa que a identifica como Casa-Museu Fernando de Castro (CMFC).
A casa foi mandada construir em 1893 por um comerciante com loja na Rua das Flores, também chamado Fernando de Castro. Tem a dimensão e os sinais exteriores, mas discretos, de uma moradia da bem-sucedida burguesia portuense da época. Mas nada na fachada prepara o visitante para o que irá ver e experimentar se nela entrar.
O filho homónimo de Fernando de Castro (1889-1946) herdou o negócio e a fortuna do pai. Mas, mesmo se o comércio se manteve a sua ocupação profissional, orientou a sua vida para caminhos bem diversos. Fernando de Castro filho foi poeta, caricaturista, mas foi sobretudo um coleccionador obsessivo de arte, talha, mobiliário, cerâmica, e até peças do domínio doméstico e etnográfico, como ferros de engomar ou cangas de bois da vida rural do Minho.
A verdade, contudo, é que a talha (dourada ou não) e a arte sacra, e também a pintura são o denominador comum da colecção deste amador que, ao longo de três décadas, transformou a sua casa num autêntico “sacrário” doméstico.
Celibatário, a viver com a mãe até à morte desta em 1925, e com a irmã Maria da Luz a morar na casa em frente, Fernando de Castro parece ter estabelecido como programa de vida encher a sua casa com os objectos de arte, e outros, que foi adquirindo tanto nas lojas da especialidade e nas exposições do Salão Silva Porto como ainda nos leilões e hastas públicas dos espólios das igrejas e instituições religiosas estatizadas pela Revolução Republicana de 1910.
Horror ao vazio
“Fernando de Castro tinha horror ao vazio”, diz Ana Mântua, a actual directora, em regime de substituição, do Museu Nacional de Soares dos Reis (MNSR), instituição que desde 1952 administra esta casa-museu, na sequência da doação que a irmã do coleccionador fez ao Estado, meia dúzia de anos após a sua morte inesperada.
Normalmente fechada – as visitas exigem marcação prévia junto do MNSR, e não poderão juntar mais do que cinco pessoas de cada vez, nestes tempos de pandemia -, a CMFC merece ser mais bem conhecida pelos portuenses e visitantes da cidade. Esta é a convicção da directora do Soares dos Reis, que se propõe “criar uma rotina de visitas à casa” e integrá-la na programação do próprio MNSR, mas também nos roteiros turístico-culturais da cidade.
“Não temos recursos para a manter sempre aberta ao público, por causa das características da colecção, já que se trata de peças muitos vulneráveis e que estão à mão de semear”, justifica Ana Mântua. Mas o facto de o museu nacional portuense se encontrar presentemente fechado, para pequenas obras de conservação e também para o redesenho do seu percurso expositivo, levou-a a aproveitar as Jornadas do Património, no final de Setembro, para o lançamento de uma nova rotina de visitas à casa-museu. “E também para mostrar que a equipa do Soares dos Reis não está parada”, acrescenta.
Arte sacra e pintura
Ana Mântua abre-nos a visita alertando-nos, logo na pequena escada de acesso à sala de estar (dita Sala Minhota), para a sobrecarga de objectos e em particular para a sua “imaginária religiosa e etnológica”.
“A casa mantém-se, no essencial, como o coleccionador a deixou”, quando morreu em 1946. E esta primeira sala é já todo um programa daquilo que espera o visitante na sucessão dos três pisos do percurso: peças de artesanato de grande e pequenas dimensões, que tanto contemplam frisos de carros-de-bois e outros artesanatos como as criações de Rafael Bordalo Pinheiro, que irão pontuar toda a casa – com o ponto alto no penico do quarto de dormir com uma figuração de “John Bull” -, ou uma montagem com os retratos vintage dos pais do coleccionador.
A mesma profusão de objectos acompanha o visitante no corredor até à sala de jantar, que mais parece uma sacristia. “Toda a casa, com excepção da Sala Amarela, que faz lembrar, em ponto pequeno, a Sala dos Espelhos do Palácio de Versalhes, tem o carácter de espaço religioso”, nota Ana Mântua.
Mais talha dourada, tapetes da histórica Fábrica Beiriz e tectos com decoração diferenciada (cenas bíblicas, retratos de Santo André, de Santa Teresa de Ávila, dos Mártires de Marrocos?) marcam as sucessivas divisões? Sempre com muita pintura (e alguma escultura) à mistura. Artistas da escola naturalista, como Silva Porto, Marques de Oliveira, José Malhoa ou José Júlio de Souza Pinto (o autor mais representado na colecção, com perto de meia centena de obras), ao lado de outros tantos que não conseguiram fazer perdurar o seu nome na história da arte portuguesa, decoram todos os cantos e recantos das salas.
“Estamos perante uma escolha pessoal, bastante independente do gosto mais vigente e, particularmente, imune, para não dizer alérgico, ao modernismo”, escreveu Vera Almeida Ribeiro, ex-conservadora da CMFC, num artigo na revista Museu, em 2013, dedicado ao coleccionador. Nele ressalva a presença, no espólio de Fernando de Castro, de apenas três aguarelas de Domingos Alvarez, o que denota a sua desatenção perante os movimentos artísticos mais inovadores do seu tempo.
Como numa igreja barroca
E a viagem continua, nos pisos acima, num cenário sacronaturalista que atinge o apogeu – e esta será também uma experiência invulgar – na subida da escada para o terceiro piso. “É o ?grand finale'”, exclama Ana Mântua, chamando-nos a atenção para a espécie de altar, o púlpito e o vitral no tecto que decoram o espaço, e que terão sido inspirados, segundo Vera Almeida Ribeiro, no Convento de Santa Clara, de Coimbra.
“É como se estivéssemos dentro de uma igreja barroca”, acrescenta a directora do MNSR. A nós parece-nos mais um sacrário, tal é a concentração de peças expostas (muitas vezes acumuladas) num espaço que, apesar de tudo, não deixa de ser o de uma habitação, ainda que aparentemente de um homem só.
No terceiro piso, há também o quarto de dormir de Fernando de Castro, o único que, por imposição da sua irmã no contrato da doação ao Estado, terá mantido o seu aspecto original com a mobília de inspiração rocaille e mais uma galeria de pinturas de diferentes épocas (séculos XVI-XIX), além dos livros que constituem uma também notória biblioteca espalhada pelas estantes da casa: obras de Camilo Castelo Branco, em lugar de honra, ao lado de Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Arnaldo Gama e Eça de Queiroz, além de monografias e livros de História.
Ao lado, o antigo escritório é agora uma espécie de galeria exibindo, nas quatro paredes, uma selecção de dezenas de caricaturas, género que Fernando de Castro cultivou desde a juventude e com o qual recriou as figuras não apenas de personalidades da vida portuense sua coetânea, como das diferentes cidades e regiões do país.
A meio desta sala, uma vitrina guarda um álbum de recortes de publicações e também os dois livros editados pelo coleccionador-escritor: Meteoro, publicado em 1909, num registo sofrido após a morte do seu sobrinho, como refere ainda Vera de Almeida Ribeiro; e Noivado Pobre, uma colecção de sonetos nascidos de outra circunstância familiar – o divórcio da sua irmã Maria da Luz, em 1921.
Como terá sido viver nesta casa, e nela ter construído esta espécie de gabinete-sacrário de todas as curiosidades? Ana Maria Ferreira, que é desde há um quarto de século a guardiã da casa-museu, recorda que, quando aí chegou, havia ainda uma senhora que tinha conhecido Fernando de Castro, dizendo que se tratava de “um cavalheiro, muito atencioso, mas que não era muito dado a sair e a conversar com os vizinhos”. “Eu sinto-me bem aqui, não tenho medo nenhum; e já me curei de uma depressão neste lugar silencioso, sossegado. É como diz a minha neta: ?Parece que estamos numa igreja'”, conclui.
Exemplar em razoável condição, bastante acidificado ao nível das capas. O miolo, impresso em bom papel de linho, encontra-se em muito bom estado. Bom para encadernar.
MUITÍSSIMO INVULGAR.
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